9.12.06

Amai-vos e copiai-vos

Ando lendo muitas críticas sobre blogs. Alguns dizem que blog virou coisa de vaidoso. Colegas alegam que deixaram de postar porque blog virou lugar comum. Há ainda os que falam que os blogueiros só sabem copiar uns aos outros e todo mundo publica a mesma notícia, muitas vezes sem os devidos créditos.
De fato, há blogs especializados em copiar. Mas, se por um lado o direito autoral é algo inquestionável, por outro a cópia indiscriminada nem sempre é ruim. Muitos autores, em início de carreira, divulgaram seus trabalhos admitindo a cópia. Permitir a pirataria foi a estratégia de marketing de gigantes do software por anos. Mas esse não é o potencial mais interessante da cópia, especialmente tratando-se de conteúdo digital.
Quando Guttenberg inaugurou a era midiática, inventando a prensa tipográfica, copiou basicamente duas idéias: os tipos móveis, uma evolução dos blocos de impressão já utilizados na Europa, e uma prensa inspirada na prensa usada para espremer uvas na fabricação de vinho. O inventor alemão multiplicou a capacidade humana de fixar idéias em um suporte - copiar. Copiando outras idéias e sendo copiado, acabou contribuindo com um elemento fundamental para a alfabetização dos europeus: a disponibilidade dos textos. Espalhadas cada vez mais rápido por todo o continente, inúmeras impressões, edições, cópias agenciaram o processo de alfabetização européia. Entrando em contato com misteriosos volumes, as pessoas sentiram necessidade de aprender a decifrar o código. "Trouxeste a chave?". Não é preciso dizer que a revolução promovida pela imprensa foi uma das maiores que a humanidade já viu. A internet tem o mesmo caráter propagador da imprensa (escrita), mas diferencia-se dela em alguns aspectos:

¬ reproduz e distribui numa cadeia em que não há número de cópias ou acessos previsto - ad infinitum...;
¬ é livre, de maneira geral: não regula o uso que se faz dela, não controla a (re)produção, não exige identificação, autorização ou aprovação para veicular (já há excessões);
¬ é democrática no universo de seus usuários: não discrimina ou privilegia autores , qualquer pessoa com acesso a um micro conectado é um possível autor e ator na rede;
¬ é interativa, mantém-se como canal aberto para a contrapartida do interlocutor, redistribuindo o espaço do debate;
¬ é multimidiática: idéias, textos, imagens, sons, enfim, tudo o que pode ser transformado em bits, do que há de bom e de ruim, melhor e pior, para uns e outros, copyright ou copyleft, figura na rede.

Se os hoax pululam, há também grandes idéias circulando. Soa como um esboço de democracia?
Quando o computador conectado for tão popular quanto a tv, o potencial de acesso, interação e a capacidade de expressão da opinião pública vão se tornar tão grandes que o caos não é uma aposta ruim. Por outro lado, a longo prazo, a conectividade pode contribuir para uma organização maior da sociedade, um aproveitamento melhor do potencial individual, a expressão do desejo coletivo, a realização da verdadeira democracia (não espantam as tentativas de regular, controlar e vigiar o acesso e navegação dos usuários de internet).
Eleger o que é melhor e respeitar os direitos autorais continuarão sendo problemas de cada um e de todos.
Para não descambar para o discursão, queria dizer aos colegas que desistir do seu espaço é render-se ao que há de ruim, entregar o poder aos aproveitadores, esses mesmos que se embrenham em tantos outros poderes. Abster-se é abrir mão da democracia. É preciso parar de reclamar e renovar as forças, empenhar-se ao máximo, superar-se e superar. Então, não será tão ruim nos envaidecermos um pouquinho.


PS: Este artigo é fruto de um bate-papo democrático entre amigos. Valeu, Tathi! Valeu, Nando!

2.12.06

Por falar nisso

Há uma inversão costumeira no Brasil: admitir que um elemento externo a um sistema, ou sua ausência, seja a causa da perturbação interna do sistema em questão. É como acreditar que o problema de o crime organizado comandar suas ações de dentro das cadeias se deve à ausência de bloqueadores de celular nos presídios. O que está errado não é o fato de os celulares funcionarem no perímetro e entorno dos presídios. O que está errado é o presidiário ter acesso a telefones celulares... e carregadores... e (!) créditos para falar. Mas ninguém fala sobre isso. Sobre a precariedade do sistema penitenciário, a corrupção, o dinheiro envolvido. Sobre isso ninguém fala. Enfim, sobre os elementos internos, constituintes e causadores do problema... nada. Nem uma palavra. Todos fingem que o problema é a ausência de bloqueadores de celular nos presídios... ou focinheiras nos cachorros... ou kits de primeiros socorros com alguns band-aids nos porta-luvas. Os condenados continuam comandando o crime de dentro das cadeias; os cães continuam fazendo suas vítimas; os acidentes de trânsito também. Voltando ao chip da questão (leia o post anterior): para os criminosos, burlar o sistema vai ser uma sopa. Mais fácil que desligar um alarme ou abrir uma porta. Na internet já se fala em como anular ou adulterar os dados contidos no chip. A clonagem vai ser moleza... e vamos ter vários modelos de "anti-chips". Eu fico me perguntando quantas cervejinhas vai custar saber por onde andou o carro daquele sujeito daquele partido, ou de um magnata, ou de um qualquer, ou de qualquer um. Por falar em grana, a frota nacional , 43 milhões de veículos, multiplicada pelo valor estimado de custo do chip, R$ 40,00, resulta na cifra de 1,72 bilhão de reais. E ainda não ouvi falar dos custos de instalação das antenas, sistemas informáticos, operação e manutenção da brincadeira. A prefeitura de São Paulo já falou em custear a instalação dos chips nos veículos da cidade, como se o dinheiro que ela usa não fosse o dinheiro dos cidadãos. Por que será que a solução mágica para o problema sempre envolve licitações milhonárias? E, pior: quem paga a conta, caríssimos, somos nós.